Colonia del Sacramento, a lindeza da margem oriental do Rio de La Plata

A primeira vez que estive em Colonia del Sacramento já fazem uns bons 10 anos. Estávamos em Buenos Aires e fizemos um bate-e-volta tomando o buquebus. Parecia tão natural tomar um barco e ir ao Uruguay, que esquecemos tínhamos que passar pelo controle de passaporte, normal de quando se sai ou entra em um país, e esquecemos os nossos em casa. Foi um estresse grande porque já tínhamos os bilhetes comprados para uma determinada hora. As quase 3 horas dentro daquele barco imenso, uma verdadeira barca Rio-Niteroi duplicada, olhando para aquele rio barrento e imenso não ajudou muito, de modo que descemos em Colonia com o humor dos piores. Tínhamos tudo para não gostar, mas simplesmente amamos aquela cidadezinha meio portuguesa, meio espanhola, meio uruguaia. O turismo ainda não era intenso, mas o charme da cidade já existia e elevou o nosso humor.
Voltei agora, dessa vez desde Montevideu, de ônibus, em uma viagem que também durou entre duas e meia e três horas. E a cidade está mais linda ainda. E tão mudada que vários lugares que vi da primeira vez, não encontrei agora. Me pareceu mais arrumadinha, com melhor infraestrutura para o turismo, o que se observa pelos muitos restaurantes, cafés, lojas de artesanatos mais sofisticados e excelentes pousadas e hotéis. Claro que estou me referindo a parte histórica da cidade, porque a Colonia, digamos, normal, eu não havia conhecido da outra vez. 

 Mas é no “casco histórico” onde ela se destaca. A História nos conta que Colonia foi jogada das mãos dos portugueses para a dos espanhóis por quase 200 anos, para lá e para cá, com tratados e mais tratados. Tudo por sua posição estratégica em relação do Rio de La Plata e sua proximidade com Buenos Aires. Contam que era um lugar ideal para contrabando pelos portugueses.


Assim, a cidade tem sua beleza nas preservadas construções portuguesas e espanholas. A muralha que protegia a cidade e seu portal estão em ótimo estado. O farol, construção original dos anos 1600, está lá, lindo. Há um museu português, com a reconstituição de uma moradia típica, bastante interessante. Enfim, é um lugar para um turismo calmo, sem pressa, sem ostentações.


Vale a pena sai um pouco da parte histórica e conhecer a cidade em si. Duas coisas nos surpreenderam: uma manifestação de trabalhadores, em luta por salários e pela não ampliação da zona franca que existe lá, e um carro de som fazendo propaganda de lojas, assim bem Natal.

A alma de uma cidade está nas feiras livres

Somos daquele tipo de turista que adora feira. Sempre que o calendário permite, nas nossas viagem vamos à feira. Para mim a feira representa a população real, a gente comum daquela cidade, mas também gosto de conhecer as verduras, as comidas, as coisas que o povo come. Algumas vezes me deparo com coisas que não conheço ou que nem imaginava que existisse, como o ovo envolto em cinzas que vimos no sudeste asiático.

Pois calhou de estarmos aqui em um dia de feira. E logo a feira maior e mais famosa de Montevideu: a feira de Tristán Narvajo. Todos nos diziam que ela era enorme e que tinha de tudo. E era verdade. A calle Dr. Tristán Narvajo começa na Av. 18 de julho, diante da Universidade da República. A feira segue por toda a rua, mas se espalha pelas ruas transversais, a perder de vista. E tem mesmo de tudo. Tem parafuso e tomadas, tem CDS e programas de computador pirata, tem ervas e roupas de trabalhador, tem roupa de brechó, tem livro usado, tem eletrodomésticos antigos, tem toneladas de coisas que parecem terem sido catadas dos lixos das casas, tem panelas e materiais de limpeza, tem coisas para cachorros, tem algumas coisas antigas que aparecem mesmo ter algum valor (um cara tava vendendo por 400 pesos um apito usados pelos guardas uruguaios nos anos 50). Tem artigos de couro e marroquinaria, tem artesanato de lã e tear, tem disco bolachão, tem brinquedos para crianças.


Ah, e tem comida! Sobretudo frutas e verduras. Diferente das nossas apenas em alguns nomes (abacate, por exemplo, é palta). Em uma barraca vimos umas coisas parecidas com limão siciliano, agruparas em pilhas, com uma placa “montón”. Comentamos, nossa, limão siciliano aqui chama-se montón. Aí, na barraca ao lado tinha pimentões vermelhos em pilhas e com a placa “montón”. Ok, burras, montón é montão! Saímos morrendo de rir.

Claro que na feira encontramos turistas, mas são turistas como nós, que preferem bater perna em feira do que em shopping, que come uns pastelões imensos fritados na hora, que comparam tangerina e saem comendo, que folheam livros velhos e compram poesias de Benedetti.

Enfim, feira é ótimo! E se você tiver em Montevideu em um domingo, vá até a Tristán Narvajo. E de quebra você ainda pode ver o estádio do Peñarol, que é ali em uma das transversais. 

Comer no Mercado do Porto em Montevideu 

Está praticamente em todos os blogs a dica do quão imperdível é comer uma parrilla no Mercado do Porto. Obviamente, fomos. O Mercado fica exatamente no final na rua onde está nossa casa, a calle Piedras, a umas quatro quadras. Quando vamos nos aproximando, começa a surgir um comércio mais diferenciado: uma linda loja de lãs e artigos de tear (uma aula de tear havia começado uma hora antes e eu me maldisse por não ter vindo mais cedo), um bar assim bem num estilo descolado rústico, com povo com cara de “se quiser arriscar, entre”, um restaurante (o Es Mercat), com inscrições em cirílico na entrada e quase 5 estrelas no TripAdvisor. E lá no fim, o Mercado propriamente dito. 

Não é muito grande, mas parece com outros que conheci, como o de Santiago, no Chile. Restaurantes com mesas nos corredores, lojas de buginir (lembram? Bungingangas de suvenir?), alguns lugares vendendo coisas específicas, como o eternamente lotado que vende empanadas. O mais famoso, pelo menos nos blogs brasileiros, é o Palenque, para o qual há controvérsias entre os avaliadores. Ama-se ou odeia-se. Estava lotadíssimo. 

Como o Palenque era controverso, com a maioria das avaliações considerando o serviço muito ruim e o preço muito caro, pedimos sugestão a um casal que tem um negócio de coisas de couro e lãs lá perto. Sem pensar muito nos indicaram o Quatro, com a promessa de boa comida e preços bons. No final da conversa o senhor nos disse “mais tarde tem um show de música”. Não gostamos de comer com música ao vivo, mas, como era mais tarde, fomos.

Quando entramos já notei os músicos se posicionando e disse pras meninas que deveríamos ficar na parte de dentro, escolhendo a mesa o mais distante possível daquelas enormes caixas de som. Mal pegamos nos cardápios e começou a latumia. Música altaaaaa. No mesmo momento chega na nossa mesa um cara FAZENDO MÁGICAS!!!! Juro!!! Dispensamos o mágico, suspiramos fundo e fizemos nossos pedidos. E aí a cantora atacou de Roberto Carlos! “Eu só queria saber como vai voceeeeeeeee”. E o que acontece em seguida? Os brasileiros fazem coro, aplaudem e pedem bis. Foi demais pra nós. Cancelamos os pedidos, pagamos a água e o pão, e fomos embora.

O dia estava mesmo perdido e optamos por um lugar mais vazio e sobretudo silencioso. Os preços eram melhores, mas o asado de tiras estava um horror. Duro e sem sal. Na verdade toda comida aqui é sem sal. Descobrimos que há uma recomendação oficial para isso. A coisa é tão séria que os restaurantes estão proibidos de colocar saleiros nas mesas. Só trazem se o cliente pedir. 

De uma maneira geral, esse Mercado nos pareceu uma daquelas armadilhas para um tipo de turista que não somos nós. Comemos uma carne muitíssimo melhor na despretenciosa Cervejaria da Matriz, na praça da Constituição.

A Montevideu classe A

Ontem conhecemos a face oposta da Montevideu  tipo “tia acabadinha”: fomos aos bairros alinhados de Pocitos e Punta Carretas, onde a cidade é totalmente diferente do que havíamos visto até então. Conhecemos a Montevideu classe média alta, com prédios modernos, jardins bem cuidados, ruas limpas.

Tomamos um ônibus no Centro, circulamos uns bons 30 minutos e chegamos lá. E de repente nos sentimos em Copacabana. Ambos os bairros estão na beira do rio de La Plata, que visto desde a orla parece ser um mar, porque não vemos o fim. A orla tem um calçadão, que chamam “ramblas”, com espaço para andar de bicicleta, caminhar, passear. E do outro lado, os prédios, não tão altos mas colados uns aos outros, fez com que a gente achasse muito parecido com Copacabana. Só que uma Copacabana tranquila, com trânsito civilizado e sem sujeiras na rua. 

Caminhando-se mais para dentro o bairro se torna mais simpático. Os prédios são menores, há ainda algumas casas, lembrando uma Ipanema que conheci no final dos anos 70. E aí surgem os bares e restaurantes bem transados, não necessariamente luxuosos, mas que me pareceram bem legais. Não entramos em nenhum deles. 

Talvez esses bairros fiquem legais à noite, porque no horario de fim de tarde que lá estivemos, me pareceu meio mortinho, sem gente na rua, sem alma. Definitivamente esse não é um lugar que gostamos de ficar. Não há o que contemplar, não há nada para nos deixar curiosa ou extasiada. Tudo é muito óbvio, tudo é muito igual. Um lugar para quem não quer ter surpresas. E pra que viajar se não for para se surpreender?

Pegamos o ônibus e voltamos para tomar nosso café da tarde no Café Brasileiro. E estava uma anoitecer lindo na Praça da Constituição.

Os preços e as modas em Montevideu 

Casaco na vitrine de Manos del Uruguay

Quando a gente vê que um real vale 8,20 (na melhor cotação; encontramos até por 7,80) pesos uruguaios, a gente fica achando que vai se asbaldar nas compras, porque nosso dinheiro é poderoso. Até vai, mas não tanto. As coisas não são tããão mais baratas do que no Brasil. Por exemplo, se você quiser comprar um bom, mas bom mesmo, casaco de lã de tear, você vai precisar de algo em torno de 4.000 pesos, ou seja, 500 reais. É caro? Bom, pra mim é. Em um bom restaurante (La Pasionaria, no Centro, recomendadíssimo), fora do circuito turístico, pedimos o menu executivo, com entrada, prato principal e sobremesa, além de uma garrafa de vinho e água. Pagamos 100 reais cada uma. Mais ou menos o mesmo que pagamos em Natal. 

Por outro lado, é possível comer mais barato naqueles lugares com cartazes do lado de fora. Eu, particularmente não como em lugar que coloca a foto do prato em cartazes do lado de fora do restaurante. Detesto. Mas sei que é frescura minha, há quem goste. Enfim, um café da manhã nesses lugares pode sair por 18 reais, sem a gorjeta, e você toma café, um suco de laranja, uma “media luna” com queijo e presunto. 

Uma coisa bastante interessante é que restaurantes e alguns hotéis, nos pagamentos feitos com cartão de crédito, nos descontam cerca de 18% do valor, o que compensa bem os 6 e tanto por cento do IOF. Mas o real se torna uma moeda poderosa porque é aceito como forma de pagamento em quase todos os lugares, então estamos usando pesos apenas para coisas pequenas como passagem de ônibus, comprar um água, pagar a gorjeta (apesar de ela também poder ser incluída no pagamento do cartão, é cobrada a parte e não entra nos tais 18%). Ou pagamos com cartão ou com reais mesmo. 

E as modas? Uma coisa que me chamou atenção nesses lugares por onde andamos, fugindo de shoppings, foi não ter encontrado nenhuma dessas lojas que encontramos em todos os lugares do mundo. Não vi C&A, não vi H&M, não vi Starbuck. A febre daqueles casacos fofinhos de gominhos (doudoune, como são chamados na França) definitivamente não chegou por aqui. As pessoas usam casacos de tecelagem, xales ou ruanas, que são grandes xales retangulares, quase um poncho. Uma ou outra jaqueta de nylon ou moletom, mas nada de “gominhos” ou jaquetas de couro. Camisas de flanela xadrez é o que há. Para homens e mulheres. Quem não usar uma não tá com nada. Estou procurando um outlet pra comprar a minha. 😉😉

Me impressionou ver todas as mulheres com botas, sapatos fechados ou mesmo sandálias com um ridículo solado de borracha preta de uns 5 ou mais centímetro de altura. Uma coisa horrorosa, deselegante, tosca. Achei ótimo, porque só assim não serei tentada a comprar sapatos por aqui. Sapatos são sempre minha perdição consumista.

Ciudad Vieja em transformação?

Estamos apostando que quem venha a Montevideu daqui a 5 ou 10 anos vai dizer que o bairro mais descolado, mais cool, mais cosmopolita, da cidade se chama Ciudad Vieja, esse mesmo onde estamos agora e que imagino ser parecido com uma Havana que eu não conheço. Aparentemente Ciudad Vieja está passando por um processo de gentrificação. 

O prédio onde está o nosso apartamento parece ser um exemplo. Por fora ele tem uma cara de decadência dolorosa, que me causou um certo espanto quando chegamos. Era por volta das 8 da noite, a rua estava deserta e o prédio parecia caindo aos pedaços. Quando entramos começamos a perceber que ele estava se renovando por dentro. Às paredes foi retirado a camada externa, ficando o reboco aparente, dando um aspecto rústico singular. Em algumas áreas foram plantadas trepadeiras que se agarram ao reboco e fica muito legal. As escadas são de mármore, com um corrimão de ferro ainda meio precário. O prédio vizinho, com o mesmo aspecto decadente está em obras e, suponho, passará por uma restauração também.

A calle Ituzaingó logo na nossa esquina, é uma rua estreita, de apenas uma mão, que segue até a Plaza de la Constituicion, no centro da cidade. Nela está o famoso Café Brasileiro, que existe desde 1877, e é uma casa de lanches e pequenas refeições muito bonita, com um pessoal simpaticíssimo e comida gostosa. A fama dele se deve sobretudo ao fato de que era o Café preferido de Eduardo Galeano, que ali fazia ponto diariamente. Mas, por ali começam a surgir uns cafés mais descolados, que me lembraram muito os pequenos cafés do Brooklyn. O Café Mr. Bean tem uma proposta de pães de produção caseira, a decoração é despojada, com um mesa grande no centro e cadeiras altas, outras viradas para a rua, as pessoas tomando café e usando seus computadores. 

Em uma esquina há uma enorme placa dizendo Farmácia, daquelas com uma cruz vermelha que pisca. Se você olhar pra dentro vai ver umas prateleiras de farmácia antiga e uma cadeira de barbeiro no meio da sala. Se você olhar mais curiosamente vai ver lá no fundo uma daquelas máquinas de café moderníssima. E você fica sem saber se aquilo lá é uma farmácia, uma barbearia ou um café. Pois é um Café em gestação, ainda em fase de experimentação, mas que já serve um café queniano e que junta uma galera jovem, que exala de longe o aroma gostoso da marijuana com café. 

Na realidade essa parte do bairro está bastante abandonada, com imóveis fechados ou para alugar. Mas são construções muito bonitas, que seria muito se fossem realmente transformadas. Vamos aguardar.

Montevideu, primeiras miradas

Estamos hospedadas na Ciudad Vieja, um bairro cujo nome já diz de que se trata. Todos os blogs de viagem que li previamente me diziam para buscar hospedagem em Pocitos ou Puntas Carretas por serem bairros de classe média alta, onde há maior movimentação noturna e bons bares e restaurantes. E foi justamente esse tipo de vantagem que nos afastou desses lugares. Não gostamos da vida noturna e, imaginamos, aqueles lugares devem estar cheio de turista, vamos pra o outro lado. E viemos para cá, a parte antiga, maltrata, comercial, por onde passam e vivem os uruguaios.

A primeira impressão que tive foi que essa parte aqui deve ser parecida com Havana, ou é assim que imagino que ela (Havana) seja. Construções antigas, provavelmente do início do século passado, com uma arquitetura esquisita, indefinida e lindamente kirtch, algumas mal conservadas, dando um aspecto de velhice muito mais do que antiguidade. Ao lado delas, prédios, provavelmente de meados do século XX, horrorosamente “modernos” e decadentes. Isso tudo nos deu a impressão primeira de uma Montevideu “tadinha”, aquela tia simpática, doce, que a gente quer bem, mas coitadinha, tá tão acabadinha.

Na rua o povo não anda correndo (como em Nova York), nem as mulheres estão exageradamente maquiadas (como em Buenos Aires), mas, se em Nova York as pessoas andam apressadas com um copo de café na mão, aqui as pessoas andam calmamente com uma cuia de mate e uma garrafa térmica embaixo do braço. O mate é toda uma cultura. Quando chegamos à nossa casa, alugada via AirBnB, uma das coisas que nossa senhoria nos mostrou foi pacotes de mate nos armários da cozinha. Ainda vou buscar um tutorial no Youtube ensinando como preparar.

E saímos, como gostamos, com um mapa na mão, batendo perna pelo Centro. E já nesse primeiro dia encontramos duas coisas interessantíssimas, que merecem uma visita a quem faz turismo despretensioso como nós. Um é o Mercado de Artesanias, que diferente de todos os outros que eu particularmente tinha conhecido até agora, é de fato um mercado de artesãos. Produtos originais, lindos, de encher os olhos com a variedade de materiais utilizados na sua elaboração. E os artesãos estão ali do lado para conversar conosco, explicar de que é feito, como procede, enfim, um artista feliz falando de sua arte. 

E recomendadíssimo é um almoço ou jantar no Mercado de las Abundancias. Trata-se de um grande espaço com mesas e cadeiras e vários pequenos restaurantes ao redor, com um cardápio único, como se fosse um restaurante só com várias opções, de pescados a carnes. Simples, agradável, boa comida e bons preços. Almoçamos por lá, mas a mim me pareceu que o jantar deve ser mais animado, para quem gosta de animação. 

Como tricoteira sabia que por aqui se produz excelentes lãs e que a Manos del Uruguay é uma das marcas mais famosas, produzindo fios conhecidos internacionalmente. É claro que queria ir a uma das lojas. Mas pesquisei e vi que apenas uma loja própria vendia as lãs, a maior parte das lojas de Manos vende produtos produzidos com suas lãs. Dai saímos do Mercado de la Abundância e fomos caminhando meio que a toa, quando me deparo justo que a loja das lãs. Nem imaginem o estrago feito nas minhas combalidas finanças. Voltei para casa feliz, mesmo que ainda não saiba o que fazer com a maravilhosa lã merino mesclada que comprei.