San Sebastián, uma cidade da Belle Epoque

Situado no litoral do Mar Cantábrico, San Sebastián (Donostia no idioma Basco) é uma cidade cercada de praias, mas que preserva muito bem aquele ar das praias dos anos 20 do século passado. Os prédios, os monumentos, as praças são adornados com uma profusão de elementos, que nos remete diretamente a outra época. A impressão que dá é que a qualquer momento vamos nos deparar com senhoritas de vestidos longos e sombrinhas, e cavalheiros de bengalas.

A cidade tem uma configuração bastante interessante, com as ruas meio que circundando uma colina central, de modo que ficam bem demarcadas as regiões, incluídas até nos folhetos turísticos: a parte da juventude, no bairro de Gross, que chega até a praia de Zurriola, com suas enormes ondas próprias para surfistas, a parte antiga e tradicional, incluindo o centro, o casco antigo e chegando a praia das Conchas e a região de Ondarreta, mais sofisticada, com uma praia mais tranquila e protegida por arrecifes.

O encontro do rio com o mar

A praia de Zurriola

O rio Urumea divide a cidade e tem nas duas margens passeios bem agradáveis e arborizados. Mas, na minha humilde opinião, uma coisa que eles não sabiam era ornamentar suas pontes. São uns postes tão feios, umas esculturas tão over, que, sinceramente, não me parecem bonitas.

Na região do centro, na grande e bonita avenida da liberdade, está o comércio mais caro, com as lojas de marca tradicionais. Haviam nos dito que a praia das Conchas parecia com Copacabana. Nada mais longe da verdade. É uma praia bem anos 20, 30, com cafés e restaurantes do lado do mar e palacetes do outro lado. Cafés e restaurantes com aquele ar de burguesia decadente. Tenho certeza que devem ter existido aquelas casinhas de se trocar de roupa que vemos em filmes de época.

Praia das Conchas

Para se chegar na Ondarreta se atravessa um pequeno túnel para pedestres, que é uma lindeza. Um imenso painel cobre o seu teto, com uma pintura abstrata que faz parecer que estamos embaixo da água. Em toda a orla há bancos, ciclovias, jardins. Nos sentamos para apreciar a paisagem e o verdadeiro desfile de elegância do povo que passava. Impressionante como homens e mulheres se vestem bem nesse lado da praia. Um imenso contraste com os das outras praias.

Como sempre o que apreciamos mesmo foram os becos do centro histórico, com seus bares de pintxos e lojas de “bugenir” (bugingangas de souvenir). Também gostamos muito de mercados e sabíamos que aqui havia o famoso Mercado de Bretxa. Mas, diferente de outros lugares o Mercado perdeu muito de sua característica de puro mercado. É que a ele foi acoplado uma espécie de shopping center, com lojas que nada tem a ver com um mercado tradicional. Aí às bancas de frutas e verduras foram empurradas para o lado de fora do prédio. Ficou esquisito.

Apesar de tudo o Mercado tem um excelente bar de pintxos, onde comi e experimentei um “coqtel cave”, a base de champanhe, romã, abacaxi e gotas de grenadine. E uma curiosa loja de produtos orgânicos, onde compramos um creme para dores musculares a base de canabinol. Pelo menos é o que diz o rótulo 😄

A cidade é bastante famosa por sua gastronomia, mas não demos muita sorte. O restaurante com estrela Michelin que íamos estava fechado para as festas, assim que nos conformamos com os não tão estrelados. Mesmo assim comemos muito bem.

Nosso último dia em San Sebastián foi debaixo de chuva. É preciso que se diga que chove muito no País Basco. E não só no inverno. Sempre chove. Quem vem pra cá não pode esquecer um bom abrigo impermeável, umas botas e um guarda-chuva.

E para terminar, compramos uma rosca de Reis, festa bastante festejada em toda Espanha. 😄

A complexa arte de comer pintxos

A primeira vez que efetivamente comi tapas em um bar espanhol (eram tapas e não pintxos, porque estávamos em Sevilha e é assim que se chama lá) fomos levadas por uma amiga espanhola. Era um lugar pequeno, entulhado de gente, alguns sentados na barra mas a grande maioria em pé ou encostado em mesas altas. Nossa amiga que já conhecia o lugar foi se enfiando bar a dentro até encontrar um espaço onde coubéssemos. Em pé, naturalmente. Nos deixou ali e foi se metendo até o balcão, e, por cima dos ombros de outras pessoas, chamou o cara que servia e pediu os vinhos e as tapas. E trouxe tudo ela mesma. Apoiei minha taça em um batente da janela e ficamos ali, papeando. Depois fomos a outro bar e o processo se repetiu. No fim tínhamos bebido umas três taças de vinho e comido talvez umas quatro tapas.

Para nós, brasileiros, é um processo complicado. Estamos acostumados a sentar em uma mesa, esperar o garçom, fazer os pedidos e sempre que quisermos mais alguma coisa, ele estará sempre ali para nos trazer. Ele corre atrás e nós ficamos comodamente esperando. Mesmo nos botequins cariocas, com o hábito de uma cervejinha do lado de fora do bar, muitas vezes há um garçom circulando.

Aqui na Espanha o processo parece ser o contrário do nosso. O objetivo parece não ser beber ou comer demais, mas beber e comer apenas na medida de alimentar a conversa, estimular o papo, mesmo que esse dure toda a noite. Talvez por isso eles não se importem tanto em ultrapassar multidões para conseguir sua bebida e seus pintxos. Foi interessante ver cedinho na manhã do dia após o réveillon, muitos jovens voltando das festas e nenhum parecer embriagado.

Bom, chegamos nós aqui no País Basco, duas senhoras de cabelos brancos em um lugar famoso pelos pintxos e todos os blogs de viagem sugerindo bares de pintxos, e os sites de gastronomia dizendo quais os melhores. Tínhamos que provar, claro! Todos diziam que os melhores pintxos estavam nos bares mais cheios de gente, que o bar sujo era sinal que tinhas bons pintxos porque todos iam lá.

Aí nos deparamos com dificuldades imensas: como chegar até o balcão? Como gritar para o cara? E pedir o que? Qual? São tantos e com caras tão ótimas que ou você pede porque já conhece ou arrisca só pela cara. Como tem muita gente, você tem que pedir e pagar logo. Se os com multidões são os melhores, esses é que são complicados de chegar e ser atendido.

E tem mais. Na hora do almoço o povo pede um ou dois pintxos e pronto, está almoçado. E nós, que nos acostumamos a almoçar mais fartamente e sentados? No primeiro dia ficamos olhando aqueles balcões cheios de coisas lindas, sem saber como chegar e como pedir. Terminamos fazendo a heresia de comer uma paella, num lugar que só vendia paella. Tava horrível! Mas quando o lugar estava quase fechando e já não tinha muita gente, fui procurar um lugar mais tranquilo, com lugar para sentar e comi meu primeiro pintxo, uma coisa divina que misturava presunto de Parma, queijo de cabra e um molho de cebolas caramelizadas.

Dai em diante resolvi desprezar o conselho de ir em bar lotado, porque reconheço que não tenho a competência espanhola de ir abrindo espaço e de saber pedir. Usamos a estratégia de chegar mais cedo, num horário ainda não espanhol, sentarmos na barra, às vezes perguntar à pessoa do lado o que é que ela tá comendo, e tem dado pra saber o que pedir. E se de-li-ci-ar. Porque, gente, esses pequenos petiscos são maravilhosos. Também descobri que três pintxos e uma taça de vinho é mais que suficiente para um almoço. E você vai pagar algo em torno de 3 euros por cada pintxo e 2 e pouco pelo vinho. Com a ressalva que a taça de vinho é na verdade 1/3 da taça. Mas é muito barato e os vinhos da casa são sempre muito bons.

Então, se você for ousado, enfie-se na multidão e vá em frente. Mas se for senhores ou senhoras assim menos intrépidos, usem da nossa estratégia. Mas nunca, nunquinha, deixe de comer essas coisinhas incríveis.

Vitória-Gasteiz, a inesperada surpresa

Distante uma hora de Bilbao, por uma autopista excelente, Vitória-Gasteiz é a sede do governo e do parlamento da Comunidade Autônoma do País Basco, podendo ser considerada, ainda que não oficialmente, a capital basca. Em épocas antigas foi uma cidade de grande importância estratégica por ser o caminho romano entre a França e a península ibérica. O nome oficial da cidade é esse, assim com hífen, porque é, diplomaticamente, a junção dos dois nomes pelos quais a cidade era conhecida: Vitória, pelos romanos, e Gasteiz pelo povo basco.

Nunca tinha ouvido falar dela até que uma amiga espanhola nos sugeriu. Fui ler, me encantei e incluímos no roteiro. Decisão acertadíssima. Vitoria é uma cidade lindinha. Quando você chega de ônibus, como nós chegamos, nos deparamos com uma cidade moderna, ruas largas, edifícios baixos (quando vejo isso me dá uma raiva dessa nossa mania de torres e edifícios de 20, 30 andares!), muitas praças e jardins. Fizemos uma cara meio assim, de decepção. Mas, felizmente o nosso hotel (num belo estilo anos 30) ficava no limite entre essa parte mais nova e o belo centro histórico.

Atravessamos a Plaza Floridita e já estamos na Plaza de la Virgem Blanca, a partir de onde começam as coisas realmente bonitas da cidade. Era um lindo dia de sol, com temperatura de maravilhosos 13 graus, e o mundo inteiro tinha resolvido sair de casa! Bares de calçada entupidos de gente, o povo no sol frio tomando cerveja e comendo pintxos, país com crianças, gente com os cachorros, enfim, a impressão que deu era que fazia anos que aquele povo não via sol.

No fundo da praça estão duas coisas interessantes de se ver. A igreja de São Miguel Arcanjo, de pedras sóbrias, e que não pudemos visitar por estar fechada. Um pouco mais acima (sim, aí começam as ladeiras e os becos) os “aquillos” – construídos no século XVIII – um conjunto de casas com terraços escalonados em arcos, de forma a resolver o problema do desnível entre a parte medieval e a nova cidade que se ampliava.

A igreja de Santa Maria está em restauração, mas pudemos ver uma parte da antiga muralha que está junto a ela.

Nessa parte antiga chama também atenção os murais pintados nas empenas de algumas edificações. Belíssimos! Mesmo quando não há pinturas figurativas algumas laterais são pintadas de cores vibrantes, dando um aspecto muito bonito.

E para subir as ladeiras encontramos a mesma comodidade que havíamos visto em Portugalete, as esteiras rolantes, aqui com a vantagem de serem cobertas para proteger do vento e da chuva.

Uma curiosidade que encontramos foi o Museu dos Naipes, que conta a história dos baralhos, sua fabricação e modelos antigos.

Come-se muito bem também aqui em Vitória, mas, como em toda Espanha, os restaurantes fecham cedo, ficando aberto apenas os bares “de picoteos”. E também como em Bilbao, as pessoais tomam as ruas com seus copos de bebidas e seus cigarros. Argh, como se fuma!

Não costumo me referir a lugares onde como, mas não posso deixar de falar do Sagartoka, um restaurante que você entra e não dá nada por ele porque você vê apenas corredor estreito com um balcão do lado, mas se você conseguir ultrapassar a multidão do bar, ao fundo vai encontrar um restaurante lindo, moderno, com uma comida excepcional, sem ser absurdamente caro. A especialidade da casa é um petisco feito com pequenos ovos envolvidos em um tipo de massa, que você põe inteiro na boca e quando mastiga o ovo derrete, quentinho. Delicia. O bacalhau a Pil Pil, prato típico basco, é também uma delicia.