Lecce, a fina flor do barroco italiano

Depois de passarmos por cidades graciosas como Ostuni, Locorotondo e Cisternino, chegamos a Lecce, a cidade historicamente mais importante dessa região sul da Puglia. Fundada há mais de 2.000 anos, foi dominada pelo Império Romano, pelo Bizantino, pelos normandos e até pelos espanhóis, tudo isso lhe conferindo um acervo cultural e arquitetônico diverso. Hoje Lecce é considerada “a Florença italiana” – apesar de me parecer um pouco de exagero – pela riqueza de seu barroco.

O mais importante exemplar do barroco de Lecce é a Basílica de Santa Croce, com uma fachada belíssima em seus múltiplos detalhes (todos eles “traduzidos” em seus significados pelo nosso guia e dos quais não consegui guardar nada) e pelo seu interior igualmente rebuscado.

Um outro marco histórico de Lecce é o anfiteatro Romano, descoberto por acaso e que se mostrou ter sido construído no século II d.C. Originalmente comportando cerca de 25.000 pessoas, somente uma parte disso está visível atualmente. Está situado na Praça de Santo Oronzo, centro histórico e vibrante de Lecce. Aqui encontramos restaurantes legais, gelaterias, cafés e na ruas próximas, lojas como H&M e Zara.

Essa praça mostrou-se mesmo o local de encontro e de eventos da população local (além de ser, obviamente, um ponto bem pra turistas). Em um dos dias que lá estivemos vimos o inicio de uma manifestação contra a guerra e o racismo, que infelizmente não pude seguir, mas as bandeiras vermelhas balançaram meu coração.

A estranha e fascinante Matera

Depois da insípida Monópoli eu não estava apostando um tostão em Matera, cidade da qual nunca ouvira falar (como não ouvida falar de muitas outras na Puglia). Na entrada parecia igual: cidade cercada por colinas de pedra calcárea, cidade descolorida. Mas logo percebi que aqui a coisa era diferente. Essas colinas não eram simplesmente rochas, mas cavernas, muitas cavernas escavadas nelas.

Matera é um dos lugares habitados mais antigos do mundo, tendo cerca de 8 mil anos. Está na região da Basilicata, não sendo, portanto, propriamente Puglia. Como cidade foi fundada pelos romanos em 250 a.C. Por causa de sua estrutura rochosa, os habitantes viviam em cavernas esculpidas na rocha, aproveitando a estabilidade da temperatura e a possibilidade de recolher agua da chuva. Nessas grutas aconteciam todas as atividades diárias, desde o preparo do alimento, as atividades artesanais, o abrigo dos animais, mas resultavam em condições de vida muito precárias. Não havia luz natural, eletricidade, agua corrente. Por incrível que pareça esse tipo de habitação foi usada pelo povo de Matera até o ano de 1950, quando, por ser considerada “vergonha nacional”, o governo italiano obrigou os moradores a abandonar suas casas e se mudarem para novas habitações. Hoje Matera é considerada Patrimônio Cultural da UNESCO, o que faz com valha muito a pena conhece-la

Além de habitações escavadas na rocha, o povo de Matera também construiu igrejas, armazens, cisternas, e muitas vezes tuneis ligando as construções. Muitas dessas grutas estão bastante preservadas e podem ser visitadas. Visitamos uma delas, preparada para parecer como teria sido e a sensação é no mínimo estranha. Outras foram remodeladas e ganharam fachadas mais modernas para serem pousadas ou outros serviços turísticos.

Mas Matera não é só caverna. A parte mais moderna é bem vidrante, com bons restaurantes e um dos melhores gelados que tomei na viagem.

E chegamos a graciosa Alberobello

Em uma das minha primeiras viagem a Portugal fui levada a um sítio histórico onde me encantei com resquícios de construções celtas. Creio que tinha recém lido As Brumas de Avalon e qualquer coisa celta atraía minha atenção. Eram basicamente as fundações das casas, mas eram circulares e muito pequenas, e eu fiquei imaginando como seriam elas inteiras, como seriam os tetos e as paredes de pedra. Quando vi as fotos de Alberobello meu desejo de viajar para a Puglia só aumentou. Eu precisava matar a minha curiosidade das casas celtas.

As construções de Alberobello são de um tipo de eu nunca tinha visto. E não tem nada a ver com os Celtas. O que se conta é que essas casinhas de pedra, com esse telhado cônico também de pedra, são facilmente “desmontáveis” e “remontáveis”. Algo como se tirando algumas pedras o resto cai naturalmente. E isso era importante porque naquele tempo o mandatário cobrava imposto maior se a cidade tivesse edificações do que se não tivesse. Então, quando os fiscais do governo vinham fazer a arrecadação, o dono do lugar ordenava que as casas fossem todas “desmontadas”. E quando eles saiam, “remontavam”.

Alberobello, para além de suas casinhas pitorescas, é uma cidade muito graciosa. Calma, tranquila apesar dos turistas, tem uma especie de avenida larga cuja maior parte é para pedestres, que meio que divide a cidade ao meio. De um lado as casinhas cônicas com lojinhas de artesanato, comida, azeite (aliás o azeite e o vinagre de Alberobello é famoso). Do outro lado, casinhas cônicas residenciais.

Não pensem que a cidade tem somente essas casinhas, há também construções “normais” residenciais e comerciais. Passamos somente um dia nessa lindeza e não sei se come-se bem. Comemos mesmo em restaurante turístico, que não me impressionou. Mas Alberobello super vale uma visita.

Polignano a Mari, volare

Toda a minha geração cresceu ouvindo música italiana. De Rita Pavone a Gigliola Cinquetti (quem não se lembra de “Dio come ti amo”), as músicas românticas italianas eram o must. E todos sabíamos cantar “Volare oo, cantare ooo, nei blu dipinto de blu…”, sucesso absoluto, gravado por Gipsy King, Dean Martin e até por Gilberto Gil. Nunca me toquei quem seria o autor da canção até chegar em Polignano a Mari e me deparar com a estátua de Domenico Modugno de braços abertos, quase voando. Ele é o autor e nasceu em Polignano. E é quase obrigatório para quem chega na cidade aproximar-se da estátua aos berros de “volare ooo”. Do quarto do hotel onde ficamos, de tempos em tempos eu ouvia grupos cantando. Um tipo de saudação a Polignano a Mari.

Mas Polignano é mais do que Volare. É uma cidade lindinha, incrustada em um complexo rochoso, com grutas e cavernas e uma História que remonta ao Império Romano. Dizem os historiadores que Polignano foi fundada por Julio Cesar, que aproveitou de sua localização estratégica no Mar Adriático. É por ser uma cidade pequena recebeu o nome de Polignano (poli = cidade, nano = pequena).

Por conta de sua costa escarpada, as praias são uma piada. Um tiquinho de terra, cheia de pedras, mas um mar lindo, azul, calmo, sem ondas e, segundo dizem, não tão gelado (o que eu duvido e faço pouco). Jamais me arriscaria porque praia mesmo só as minhas.

Em uma dessas grutas está o restaurante mais famoso de Polignano a Mari, o Grotta Palazzese, que tem uma vista espetacular, um preço absurdo pelo jantar e uma comida apenas OK. Não fui, não pretendi ir e não acho que valha a pena. Os amigos que foram gostaram.

O acesso ao centro histórico de Polignano é por um portal de pedra, que fez parte do grande muro que circundava a cidade, como proteção às invasões inimigas. E ai vai se encontrar, no meio da vielas e becos, as construções medievais, além de restaurantes, lojas e igrejas.

A Matriz de Santa Maria da Assunção vai destoar de outras encontradas na Puglia porque aqui aquele despojamento foi deixado de lado e ela se apresenta mais num estilo bizantino muito cheio de “ouros”. Particularmente não gostei. Mas a Igreja do Purgatório é interessante por sua decoração com caveiras e ossos.

Foi somente um dia em Polignano a Mari, poderia ter sido mais. A cidade merece ser mais explorada.

Bari, a capital da Puglia

De Trani fizemos um bate-volta até Bari, a capital da Puglia. E como capital é uma cidade grande e importante. É lá que está o aeroporto da região e todas as grandes lojas e magazines. Então, como cidade grande, tem seus atrativos pra quem prefere estar conectado com as modas.

Mas Bari também tem História. Um dos principais marcos da cidade é o Castelo Normando, construído no ano de 1132, destruído em 1135 e reconstruído pelo rei da Sicília em 1233. O castelo é rodeado por um fosso, que agora, obviamente, está aterrado. Infelizmente não foi possível conhece-lo por dentro. Há uma “lenda” de que o castelo abrigou São Francisco de Assis, e que uma noite o rei enviou uma cortesã para tenta-lo. Quando viu que a mesma foi recusada pelo santo, o rei ficou impressionado com a sua santidade. Lendas …

Mas o monumento mais importante de Bari historicamente é a Basilica de São Nicolas, igreja que abriga os restos mortais do Santo que é venerado tanto por católicos quanto por ortodoxos gregos. De acordo com as lendas, ele tinha um profundo apreço pelas crianças e pelos desamparados. Foi também o protetor dos marinheiros e pescadores. Há quem defenda que o Santa Claus (Papai Noel) tenha a sua origem nas festividades do dia de São Nicolas, quando em países como a Alemanha se costumava da presentes as crianças.

A Basilica é imensa e linda, com aquele despojamento que encontramos em todas as igrejas da Puglia. A imagem de São Nicolas, no entanto, é apresentada em toda sua riqueza.

Gosto muito de saber a História dos lugares onde ando. Acho fascinante caminhar por ruas e castelos milenares. O nosso guia nessa viagem tinha um conhecimento aprofundado sobre história da arte, e foi muito interessante saber as influencias arquitetônicas dos lugares por onde passamos. Mas, o mais gostoso mesmo é, para mim, caminhar pelas ruas, olhar o povo e o que ele produz. E uma das coisas mais interessante em Bari foi assistir a feitura e comercialização das pastas no meio da rua. Desde a senhora que fazia orecchiette até a famosa polenta frita de D. Maria, tudo era feito ali.

Não sei se porque passamos muito pouco tempo ou se porque prefiro cidades menos agitadas, Bari não me tocou. Não que a cidade não valha a pena visitar, mas para mim dou por vista.

Sigamos.

Trani, para se viver devagar

Apesar de termos chegado em Bari, a maior cidade da região, rumamos e nos hospedamos em Trani, cidadezinha que está a pouco mais de 50 km ao norte. Trani é uma daquelas cidades que ainda não foi descoberta pelos turistas estrangeiros, dai que é tranquila e boa da gente explorar andando pelas suas ruelas. O centro histórico está ao redor de uma enseada de mar tranquilo, tendo em uma das pontas a sua catedral mais importante, a Basílica de São Nicolau Peregrino. Trani faz parte da organização Cittaslow International, fundada na Itália para promover um estilo de vida “slow”, leve, que preserva a qualidade de vida e a sustentabilidade. E é justamente essa a primeira impressão que temos. Trani é pra se sentir devagar.

A Basilica da cidade é dedicada a São Nicolau Peregrino, que não deve ser confundido com o São Nicolau da catedral de Bari. Ela data de 1143 e foi construída em homenagem a esse santo pastor de origem grega, devoto e peregrino, que saindo da Grécia pretendia chegar até Roma. Conta a história que ele desde muito novo repetia sem parar as palavras “kyrie eleison”, que significa “Deus piedade”, e por conta de tanto repetir esse mantra foi expulso de casa e mal tratado por onde passou. Até que foi acolhido em Trani, onde morreu aos 18 anos.

A Basílica está construída em estilo românico e, como em muitas outras igrejas que visitamos, é completamente despojada de riquezas e imagens de santos. O que se destaca são imagens pintadas nas paredes e a beleza da arquitetura da obra.

Em uma cidade assim, o que mais me encanta é caminhar sem destino pelos becos e ruelas, descobrindo restaurantes, lojinhas, imaginando como é viver em um lugar assim. Comemos muito bem em restaurantes fora da orla, mas o gelato de lá é incomparável. Experimentei o de caramelo salgado e dai por diante só pedi desse em toda cidade que chegava.

Mas não pense que Trani é uma cidade aborrecida e desanimada. À noite ela se transforma. A ruas enchem-se de jovens e os bares da orla abrem espaço para a música agitada e a dança. Passando por uma dessas pudemos ouvir até um funk brasileiro tocando a todo vapor.

No próximo post vamos contar sobre Bari.

Na Itália, descobrindo a Puglia

Todo mundo que consegue ler um mapa já sabe que a Itália é uma bota. De cano longo e salto 12, chutando a Sicília. Pois bem, a Puglia – ou Apuglia como era chamada na antiguidade – está no calcanhar e no salto da bota, banhada pelo Mar Adriático e de frente para a Albânia. É a segunda maior produtora de azeite do mundo, com cerca de 60 milhões de oliveiras. Andar pelas estradas é estar sempre olhando para um olival. Esse tesouro vem sendo ameaçado por uma bactéria que tem matado centenas de árvores. Uma dor ver as oliveiras secas e retorcidas.

Mas apesar de tudo, em uma visita que fizemos a uma masseria de azeite – que vem a ser uma propriedade que se dedica a plantação, colheita e produção de azeite de oliva – conhecemos uma oliveira de cerca de 2.000 anos! Dois-mil-anos!!!!! E ainda produz frutos!!! E não é conversa de apresentador, a idade da árvore foi datada pelo Carbono 14. Uma coisa que nunca tinha observado é que as oliveiras crescem com torções do tronco. Segundo o guia as torções seriam em sentido horário no hemisfério norte e em sentido anti-horário no hemisfério sul. Há muitas histórias sobre essas árvores milenares.

A região é também grande produtora de vinhos, sendo a uva Primitivo a mais conhecida ao redor do mundo. No entanto, excelentes vinhos também são produzidos com a Negroamaro, Nero de Troia e Susumanielo. Dessa última provei o vinho mais saboroso de toda a viagem.

Afora essas duas riquezas, a Puglia tem uma costa belíssima, escarpada, com paredões e grutas. Não tanto pelas praias, que são meros intervalos entre as rochas, mas pela beleza das pedras que nos passa a impressão (real!) de coisas muito antigas. Na verdade a terra é toda pedregosa e seca (e talvez por isso produza bons vinhos) e são essas pedras calcáreas que dão outro aspecto peculiar à região: as casas, igrejas, pavimentação e todas as demais construções são feitas com elas. Algumas cidades são chamadas “cidades brancas” (lembrando os “pueblos blancos” do sul da Espanha) por conta da alvura das pedras calcáreas. Uma lindeza.

A região é muito bem servida de rodovias impecáveis, hotelaria de primeira e culinária fantástica, quase totalmente a base de frutos do mar. Se você abrir mão de comer os 3 pratos que compõem a refeição tradicional da Itália (entrada, primeiro prato e segundo prato) e pedir apenas um, vai pagar algo em torno dos 18 a 25 euros, em restaurantes comuns. E vai comer muito bem se evitar (como sempre) comer nos lugares mais cheio de turistas.

Nos próximos posts contarei como foi nossa passagem pelas cidades que visitamos e o que achei de cada uma.